Um time que acolhe a todos, mas que não o faz como mera estratégia de marketing em busca de lucro. Esse é o St. Pauli, o clube que chegou à última colocação da segunda divisão do Campeonato Alemão no domingo, dia 23 de novembro, quando foi goleado pelo Leipzig por 4 a 1. Ainda assim, o lanterna da 2.Bundesliga (como é conhecida a Segundona alemã) leva, em média, 20 mil torcedores por partida ao seu estádio, o Millerntor, cuja capacidade é de 29 mil.
O número é impressionante, uma vez que a média das outras equipes da competição é de apenas 200 pessoas por jogo. Além disso, de acordo com a média de público pagante da Série A do Brasileirão em 2014, o St. Pauli teria o sétimo melhor número se disputasse a elite do campeonato da CBF, ficando à frente de 14 equipes. Dentre elas, estariam o Palmeiras, o Fluminense, o Atlético-MG e o Santos.
Para entender o motivo de tanto apoio da torcida mesmo em momentos difíceis como esse, é preciso voltar ao passado. A fundação do St. Pauli é datada do dia 15 de maio de 1910, no bairro popular de Sankt Pauli localizado na cidade de Hamburgo, no norte da Alemanha. Nessa história centenária, consta o forte posicionamento político e social do clube, até hoje o único do mundo a se declarar – oficialmente, com registro no estatuto – contra o racismo, o nazi-fascismo, o machismo e a homofobia. Tudo isso no país que protagonizou duas Grandes Guerras permeadas pelos discursos de ódio em questão.
A postura em relação a essas questões é contundente, com ações claras. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o clube identificou e baniu para sempre os torcedores identificados com a cultura nazista. Poucas vezes uma agremiação brasileira tomou atitudes tão contundentes como essa, como foi o caso do Vasco da Gama em 1924, quando o time cruz-maltino reafirmou a sua origem popular e se recusou a excluir seus doze atletas negros – conforme havia sido exigido pela AMEA, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos – e optou por disputar outra liga que não os segregasse.
“São esses doze jogadores jovens quase todos brasileiros no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias”, dissera a nota oficial do Vasco, datada de abril de 1924, também definindo o clube como “tão preto e branco quanto o Brasil”.
Apesar do posicionamento vascaíno de quase um século atrás, a torcedora do St. Pauli – e fundadora da torcida St. Pauli Brasil – Luciana Leal não acredita que uma grande equipe brasileira seria capaz de tomar uma atitude tão contundente como essa nos dias de hoje, em defesa de alguma minoria.
“Os times brasileiros estão muito longe de tomar medidas comparáveis às do St. Pauli. Aqui no Brasil, as pessoas não têm uma mentalidade aberta com relação a muita coisa, como recentemente vimos nos casos de racismo no futebol, que para mim são um retrocesso mental, e também o respeito às diferentes orientações sexuais e as mulheres no esporte. Não bastam ações e campanhas tímidas, que daqui a algum tempo serão apenas lembranças. É necessário um posicionamento mais claro e firme”, apontou Luciana.
Em sintonia com essas posturas, o St. Pauli também não prioriza o lucro. Como prova disso, o clube também oficializou que jamais negociará os naming rights do Millerntor, como fizeram os primos ricos Hamburgo e Bayern de Munique com a Imtech Arena e a Allianz Arena – no caso do Hamburgo, o estádio teve o nome vendido para três empresas diferentes nos últimos 10 anos, prejudicando sua própria identidade em troca de mais dinheiro em caixa.
Houve uma vez em que uma empresa tentou colocar seu mascote no estádio, mas foi devidamente expulsa com um banho de cerveja aplicado pela torcida. Mesmo assim, qualquer equipe que deseje permanecer na disputa da Bundesliga precisa de uma renda mínima para sobreviver. No caso do St. Pauli, ela vem da própria torcida e do comércio local, que o patrocina.
“O St Pauli tem bons patrocinadores. Os torcedores também contribuem com o time, com plano de sócio torcedor e venda de produtos oficiais, além do público regular no estádio. O clube não tem luxos, mas tem uma boa receita, consegue reformar o estádio quando necessário. Só não esperem ver um time estrelado e o Millerntor virando arena, porque isso não vai acontecer”, explicou Luciana que, no Brasil, torce para o São Paulo.
Segundo ela, o xará do Morumbi só tem uma semelhança com o St. Pauli. “Só o fato de tocar Hells Bells (música da banda americana AC/DC, que sempre é tocada quando o time tricolor sobe ao gramado do Morumbi). Sempre tive vontade de perguntar ao Rogério Ceni se essa ideia foi inspirada no St. Pauli”, divertiu-se a torcedora, destacando a coincidência. Além dessa música, também é possível ouvir a Song#2, da banda Blur, sendo tocada durante as comemorações de gols, com direito a um coro da torcida.
Em 2006, enquanto a Copa do Mundo da FIFA era realizada na Alemanha, o St. Pauli organizou a Fifi Wild Cup – em tradução livre, algo como “Copa Selvagem da Fifi” – no Millerntor, uma competição para seleções não reconhecidas pela entidade máxima do futebol, que acabou conquistada pela República Turca de Chipre do Norte.
Apesar do carisma do clube e da paixão dos Piratas da Liga – como são conhecidos os torcedores do St. Pauli graças ao alemão Doc Mabuse, vocalista de uma banda punk, que levou uma bandeira pirata ao Millerntor e, sem querer, criou a identidade da massa “St. Paulinista” -, a equipe está na lanterna da 2.Bundesliga, a segunda divisão do futebol local. Como se não bastasse a posição incômoda na tabela, o time também foi eliminado da Copa da Alemanha no dia 28 de outubro após um revés por 3 a 0, em casa, para o outrora envolvente Borussia Dortmund (ironicamente, os auri-negros atualmente ocupam a lanterna da primeira divisão alemã).
A derrota não abateu os 29 mil piratas presentes no Millerntor, que cantaram até o fim em apoio à equipe. Dentre os nomes gritados, estava o do meia Deniz Naki. Filho de turcos, ele se identificou com o clube principalmente porque sua família de imigrantes foi bem recebida na região. Em uma partida da segunda divisão, ele marcou o gol da vitória sobre o rival Hansa Rostock, cuja torcida é conhecida pela postura neonazista e, na comemoração, correu até a massa adversária e gesticulou como se fincasse a bandeira pirata no gramado, em um gesto de provocação. Hoje, Naki defende o turco Gençlerbirligi. Para Luciana, jogadores como ele fazem falta ao St. Pauli.
“Torcer para esse time não é se preocupar com posições na tabela e com títulos. Nós queremos ter bons momentos vendo o time jogar, e também queremos que os jogadores deem o seu melhor em campo. Não pensamos que ter o Naki de volta pudesse trazer qualquer retorno financeiro ao clube, mas esperamos um pouco mais de paixão em campo, já que ele ama o time como nós amamos”, destacou a paulista de 36 anos.
Nesta sexta-feira, às 15h30 (de Brasília), o clube enfrenta o tradicional VFL Bochum – fundado em 1848 – fora de casa, com a meta de sair da lanterna. Que os bons ventos guiem o barco pirata do carismático St. Pauli de volta à sua rota centenária.
Fonte: http://espn.uol.com.br/
São Paulo – Brasil – 00:05
Siga o Batom e Futebol no Twitter, a casa do Futebol Alemão no Brasil: @Batom_efutebol
Follow Batom and Futebol on Twitter, the home of German Football in Brazil: @Batom_efutebol
Josy Galvão